A passagem do tempo e as ações humanas modificam não só a paisagem e aquilo que está a sua volta, como também os costumes, concepções e ideias do próprio ser humano. Em geral, essas mudanças de mentalidade (salvo casos específicos) se mostram sensatas e benéficas, trazendo ganhos à nossa própria condição de “seres humanos”, no sentido maior que essa expressão pode assumir.

Exemplo disso foi o entendimento e aceitação de que todos nós somos iguais e temos o direito à liberdade sejam camponeses, nobres, religiosos, militares, ricos, pobres, brancos ou negros, fato que tem, talvez como seus maiores símbolos o fim da escravidão e a Declaração do Homem e do Cidadão.

A diferença de mentalidade entre gerações, o contraste entre a forma de “encarar” uma mesma situação em momentos históricos distintos, é um dos fatores mais instrutivos e curiosos que o estudo da história nos proporciona, e isso, que pode parecer algo tão distante, está geralmente bem perto de nós.

Exemplo disso é a visão que se tem, e teve, sobre os nossos índios.

Enquanto hoje em dia, fala-se muito em respeito às peculiaridades dos povos indígenas, respeito à cultura, tradições, usos, costumes, proteção e preservação de direitos, tempos atrás, aqui em Riomafra e região, a ideia em relação ao indígena era bem diferente.

Em 1826, os trabalhadores da Estrada da Mata, aqui em Mafra, contavam com um pequeno grupo de militares para, não só manter a ordem entre os próprios operários, como principalmente para protegê-los de possíveis ataques dos índios que por aqui viviam.

Ataques que , ao que parece, eram frequentes e violentos, pois já em 1835, a Câmara da então Vila nova do Príncipe (Lapa), da qual éramos parte integrante, solicitou auxílio do Vice-Presidente da província de São Paulo para resolver os problemas que os chamados “índios selvagens” causavam à cidade e ao seu comércio.

Solicitação que teve por resposta a orientação de que qualquer despesa deveria ser assumida pelos próprios cofres municipais e, onde o Vice-Presidente dá a ideia da forma com que problemas com índios deveriam ser resolvidos à época, com a convocação da Guarda Nacional pelos juízes locais ou mesmo outros integrantes da própria população, para assim “ … serem repelidos pela força “.

Sem falar ainda nas desavenças entre indígenas, imigrantes e tropeiros ocorridas ao longo de muitos anos, em um clima nem um pouco amistoso, foi praticamente um século depois, na década de 1920, que a visão mostrou-se diferente, como o verificado com a doação de terras pelo governo do Estado de Santa Catarina, então chefiado por Adolfo Konder, aos índios da região de Itaiópolis.

Finalmente uma atitude real e pública que revelou preocupação com a população indígena, índios que, tempos depois, posaram para foto oficial da visita do governador aos nossos vizinhos itaiopolenses, junto de outras autoridades locais como o riomafrense Nicolau Bley Neto (que hospedou Adolfo Konder em sua residência, aqui em nossa cidade).

Índios devidamente trajados para a ocasião, ao estilo “civilizado” (com o perdão da expressão), numa forma que hoje consideraríamos um tanto distante da “cultura, tradições, usos e costumes” daquele povo, uma forma aculturada que por assim ser, valorizou a imposição das convenções “brancas” sobre a forma de se vestir indígena.

Assim, com fatos próximos de nós, podemos ter uma pequena ideia da mudança da visão que recaiu sobre os indígenas em menos de 200 anos, de uma “marginalização” inicial (respeitado o contexto da época, é claro) à valorização dessa cultura em nossos dias. Uma mudança sem dúvida boa e humanista, mas que pela “demora” em acontecer, acarretou perdas à cultura e ao próprio povo, que hoje o Brasil tenta valorizar.