Em 1916 após longos anos de uma disputa judicial pela posse do território fronteiriço, a sentença definitiva dada aos estados de Santa Catarina e Paraná, dividia o território do Contestado entre as duas unidades federativas, delimitando-se finalmente, a fronteira entre ambos.

O fato, já aguardado há muito tempo e cuja ameaça de sentenças anteriores já proporcionava uma perspectiva de seu desfecho, trouxe as implicações já esperadas, o território do município de Rio Negro, que até então contava com cerca de 5.000 km2 era dividido pela definição do rio Negro como fronteira entre Paraná e Santa Catarina. Enquanto Rio Negro, agora restrita à margem direita do rio, se reduzia a aproximadamente 1/4 do tamanho original, na margem esquerda criava-se o município de Mafra.

A partir daí, o que antes era uma única cidade passou a ser duas, em estados também diferentes, algo que geograficamente ou então político-administrativamente pode até ser fácil de imaginar, mas que sob o olhar da divisão de um único povo, as coisas passam a ser “não tão fáceis assim” e, de certa forma, complexas e até estranhas.

Como imaginar uma Mafra formada por habitantes nascidos naquele território, mas rionagrenses de nascimento e cujos mafrenses de naturalidade (detentores dessa denominação) só passaram a nascer a partir daquele momento; ou, quem nasceu na margem esquerda sendo rionegrense e paranaense e viu tempos depois seus conterrâneos figurarem como mafrenses e catarinenses por conseqüência.

Além desses fatos curiosos, outro, também relativo à população passou a existir, não só o território foi dividido com a questão do contestado, como a população e dentre ela, os cidadãos dedicados à política. Então a partir de 1917, nossa classe política, até então dedicada à administração rionegrense, também era dividida, ou seja, alguns personagens do início da política mafrense haviam tido passagem pela administração rionegrense.

Nessa ideia de políticos comuns a Rio Negro e Mafra, vale lembrar dois casos interessantes:

Primeiro o de Victorino de Souza Bacellar, um político riomafrense, que exerceu papel importante em nossas cidades, tanto pelos cargos que exerceu quanto os períodos em que ocupou esses mesmos cargos, fases essas, que no mínimo poderíamos chamar de “épocas um tanto complicadas” de nossa história.

Nascido em São Francisco do Sul, no litoral catarinense, Victorino, antes de adotar Rio Negro como lar, viveu em Joinville, onde já atuando na área política, foi Presidente da Câmara de 1881 a 1883, época onde a função de Chefe do Executivo era cumulativa ao cargo de Presidente da Câmara, o que o levou ao exercício das funções de membro do Legislativo e também as de Prefeito.

Em nossa terra desde 1892, como gerente da filial da Companhia Industrial Catarinense, Victorino deu continuidade a sua vida política em Rio Negro, onde viveria um episódio tão importante e curioso, quanto perigoso: Em novembro de 1893, em meio à Revolução Federalista, quando as tropas Republicanas haviam deixado Rio Negro rumo à Lapa e autoridades municipais também abandonado o município (com a tomada da cidade pelos revoltosos Maragatos), Victorino, em meio àquele conturbado contexto, acabou por assumir mais uma vez o cargo de vereador.

Tenente-Coronel da Guarda Nacional da Comarca de Rio Negro, comandante do 15º Regimento de Cavalaria, foi diante de uma cidade ocupada pelos gaúchos, numa guerra marcada pela violência e pelos saques, onde a execução por degola foi amplamente praticada, que Victorino tornou-se vereador (ou camarista, segundo a expressão mais usada à época), havendo relatos de ainda ter assumido brevemente o comando do Executivo como Superintendente. Uma ascensão ao cargo que provavelmente muito poucos ou ninguém invejaria (por mais que o cargo pudesse de alguma forma parecer atraente), pois numa cidade controlada por revolucionários que lutavam contra o governo federal e praticavam com freqüência a degola, ser nomeado diretamente por ato do General Maragato Antonio Carlos da Silva Piragibe (que controlava Rio Negro), não era algo lá muito seguro.

Anos depois caberia a Victorino mais uma tarefa árdua. Em 1917 com a criação do município de Mafra, sua atuação política cruzou o rio Negro, sendo ele nomeado pelo governo do estado, para a Intendência Municipal de um município sem receita até aquele momento (setembro) e que precisava ser administrativamente organizado.

O segundo caso de político riomafrense, é o de Basílio Celestino de Oliveira, que foi vereador em Rio Negro já no final do século 19, elegendo-se nas eleições de 1896 com “70” votos, um número que pode ser considerado inexpressivo atualmente, mas que naquela época, não só o credenciou a ocupar uma cadeira na câmara, como representou uma diferença de apenas 15 votos em relação ao candidato mais votado.

Foi Camarista, Presidente da Câmara, Deputado Estadual e também Prefeito de Rio Negro entre 1907 e 1908, quando Antonio José Correia (o Prefeito eleito) deixou o Executivo para assumir mandato de deputado.

Posteriormente, já novamente como vereador, Basílio renunciou a seu mandato por residir na recentemente criada Mafra. E foi em Mafra, também em uma situação conturbada (a exemplo de Victorino Bacellar), com a vitória da Revolução de 1930 (que levou Getúlio Vargas à Presidência da República), que Basílio, nomeado vice-prefeito do município, na ausência do Prefeito (José Severiano Maia, que encontrava-se com seu Batalhão de Voluntários em Florianópolis), exerceu a chefia do Executivo até o retorno do Coronel.

Assim, a exemplo do muito que ambas as margens do nosso rio Negro compartilham, como história, cultura e a nossa própria vida profissional, familiar e estudantil, como riomafrenses que diariamente se dividem entre Rio Negro e Mafra, também a atuação política de alguns de nossos conterrâneos dividiu-se entre cá e lá.

Cena do cortejo fúnebre de Bacellar em 1922

Basílio Celestino

Victorino Bacellar