Temos uma história muito rica, antiga e diversa, “uma história cheia de histórias”, de muitos acontecimentos belos e outros nem tanto, cheia de personagens, de fatos curiosos, vários deles de amplo conhecimento da nossa gente e outros lembrados vagamente, envoltos pelo natural esquecimento que o tempo ocasiona.

Entre esse pequeno universo de histórias, uma, contada pelo escritor Arnaldo Monteiro Bach em sua obra “Trens”, do ano de 2008, revela um curioso acontecimento de nosso passado, digno do enredo de um bom filme de ação (ou seria de comédia?).

Segundo Arnaldo, mesmo após o fim da Guerra do Contestado, um Coronel (fazendeiro) da região que havia lutado no conflito, não desmobilizou sua tropa de civis que, como pessoas de sua confiança, foram mantidas a seu serviço em sua propriedade nas proximidades da margem direita do Rio Iguaçu.

Nada de mais, se não fosse o emprego dado a essa ex-tropa do contestado, uma atuação não mais de combate propriamente dito, mas algo que manteve a característica do uso da força e também da violência, pois sob as ordens e os interesses do coronel, frequentemente esses homens passaram a realizar saques e até raptos de pessoas naquela área.

Entre essas ações criminosas, sem dúvida a mais ousada foi o assalto a um trem de passageiros que fazia a ligação Curitiba-São Francisco do Sul e Porto União, com conexão em Mafra, ocorrido no ano de 1929.

Ousada não somente por tratar-se de um assalto a trem, que exigia um grande planejamento, mas também pelo foco que toda a ação tinha, o roubo de uma maleta, com aproximadamente 200 contos de réis, que segundo informações, seria transportada sem escolta, apenas por um oficial do exército (valor destinado ao pagamento dos trabalhadores de um Batalhão Ferroviário responsável por obras naquela região).

No dia marcado, o bando tomou a estação ferroviária de Jararaca (em Felipe Schmidt-SC) e após aguardar a chegada do trem, de forma muito rápida, como a situação exigia, embarcou, rendeu os passageiros, lhes retirou os pertences julgados valiosos e ali, diante o êxito, vindo de maneira tão fácil, o coronel decidiu prosseguir na ação e, não se bastando com o roubo resolveu seguir de trem até a estação de Canoinhas (atualmente Marcílio Dias) para também saqueá-la. Dessa forma todas as malas foram jogadas pelas janelas para outros integrantes do grupo que ali estavam.

Controlando a estação e o telégrafo de Jararaca e agora utilizando o trem não só como veículo de transporte como também um grande disfarce para a aproximação dos criminosos, de forma rápida e sem suspeitas, na chegada à antiga estação de Canoinhas, os funcionários foram rendidos, o telégrafo posto sob controle (para evitar qualquer pedido de socorro ou sinal de alerta às demais estações). Então o bando lançou-se sobre ao povoado, promovendo saques à população completamente surpreendida e posta em pânico.

Ali, mais uma vez os planos iniciais foram alterados pela empolgação do sucesso. Agora continuariam em frente, rumo a Riomafra, onde teriam duas cidades a atacar e consequentemente seus “lucros” aumentados significativamente.

Porém, aqui em Mafra, a demora da chegada do trem de passageiros e o silêncio com que o telégrafo se mantinha despertou a desconfiança do agente da nossa estação ferroviária, que resolveu lançar um “blefe”, uma mensagem falsa à estação mais próxima, solicitou assim, via telégrafo, para a estação de Barracas (já no interior do município), a autorização para passagem de uma composição com tropas militares do Exército, mensagem que foi captada pelo telegrafista do bando do Coronel, que nesta hora já havia chego àquela estação.

A informação quebrou o ímpeto do Coronel, que diante das incertezas de um possível confronto, preferiu permanecer com tudo aquilo que já havia obtido e dessa forma desistiu de seguir até Riomafra, deixando uma locomotiva parada sobre a ferrovia (para impedir a passagem do tal comboio militar) e retornando à estação de Jararaca, de onde o bando se pôs em fuga para repartir a pequena fortuna que haviam roubado.

No outro dia, a situação tornou-se de conhecimento da administração da ferrovia e das autoridades locais, que restabeleceram o tráfego da linha, revistaram o trem usado pelos assaltantes e enviaram à Mafra o pouco material não levado pelosassaltantes em sua pressa.

Algum tempo depois, quando aquele mesmo oficial do exército que transportava a mala com o dinheiro esteve na estação de Mafra, foi lhe mostrado pelo agente, uma bagagem muito parecida com aquela, encontrada embaixo de um banco no vagão da 1ª classe. Para surpresa geral, diante de outras testemunhas, a mala foi aberta e dentro dela estavam alguns pertences pessoais e cento e oitenta mil réis em dinheiro, todo o valor transportado na ocasião do assalto.

Surpresa que também tomou conta do bando do Coronel, que afoitos por repartir o conteúdo, chegaram a arrebentar a tampa da mala que roubaram, encontrando tão somente roupas femininas (que trapalhada!).

Estação de Mafra

Mala antiga de Papelo para viagem

Maria fumaça